Azul cor de unha

abril 29, 2011 § Deixe um comentário

A manhã de céu azul era um convite para sair de casa e fazer uma boa caminhada com a minha irmã. Não andamos nem mais que 200 metros e vimos aquele senhor de cabeça branca  sentado no banquinho, olhando fixamente para lagoa. Pensei ter visto meu pai. Chegamos mais perto e era ele mesmo. Pegamos-no de surpresa nos traindo com a solidão.

– O que faz aí, papai?

– Vim pegar um solzinho, tá frio lá em casa – e sorria escondendo a verdade dos seus olhos.

– A lagoa tá feia, não tá?

– Não. Tô achando a vista bonita. Aqui é muito bonito.

– Bem, acho que tem uns lugares melhores, antes das capivaras, vai lá dar uma olhada, agora tenho horário no salão.

– Ah, vai fazer as unhas? e olhou para as minhas mãos pintadas com esmalte azul.

– Aham, vou.

– Mas passa vermelho dessa vez? Não me entenda mal, eu adoro azul, mas o azul fica mais bonito em outras coisas que não unhas.

– Pode deixar, papai – eu ri – Vou passar um rosa bem feminino, combinado?

Deixei meu pai com a minha irmã e fui ao salão. Quando voltei, os olhos dele brilhavam. Ele tinha conhecido três aeromodelistas e estava impressionando com os pequenos aviões. Já sabia de tudo, das baterias, do peso, do material de que eram feitos. Ele achou incrível que aqueles “brinquedos” pudessem voar. Acho que ele conseguiu voar também. Para bem longe. E quando voltou da pequena viagem, estava melhor. Dava para ver no seu sorriso limpo que não tinha nada a esconder.

Ele precisou de tão pouco. Só de um azul cor de céu.

Este texto é de setembro de 2010 e foi publicado no meu outro blog: www.chezcarina.blogspot.com

Lindo e loiro

abril 27, 2011 § 2 Comentários

Apesar de estar na flor da idade mental, seu Vicente tem horror a se parecer velho. Mas no topo dos seus 72 anos a cabeça branca já denuncia toda a sua experiência. Então ele se pôs a pintar o cabelo. Cada época era um modelo diferente. Já teve acaju, preto penas-de-graúna, houve a fase de trevas (luzes ao contrário, explico: pintam-se alguns fios de preto para dar aquela aparência “grisalho sexy”), e agora é a era do arco-íris, ele arrumou uma tal de coloração progressiva que a cada dia a cor muda, é verde, cinza-chumbo, azul, rosa, roxo e agora está loiro. Lindo e loiro.

Levei-o a um restaurante e mostrei um cara loiro pra ele. Falei, papai, olha lá, seu cabelo tá igual ao dele. Ele disse, é mesmo? Então tá bonito! É cara de rico!

Poucos dias depois, na fazenda, meu tio, grisalho e com ares bem mais idosos que meu pai, disse assim: ô Zé, seu cabelo tá esquisito! Meu pai caiu na gargalhada. Segundo ele, prefere morrer a perder a vida. Ou melhor, prefere morrer a assumir que pode se fantasiar de papai noel no natal.

Um dia, peguei ele no pulo. Entrei no seu quarto, abri a porta do banheiro, sem bater, e tava ele lá: com luvas de plático nas mãos, pincel cuidadosamente sobre o cabelo. Me assustei, o que é isso, papai?
ele, mais que depressa, se dirigiu à porta e antes de batê-la na minha cara, soltou: sai daquiiiiiiii!!!

Maldades rapidinhas

abril 27, 2011 § Deixe um comentário

Tá, fica todo mundo achando que o seu Vicente é essa singeleza toda, né? Mas quem diria, que na viagem que ele fez à Espanha, pra visitar ninguém menos que eu mesma, aprontou das boas e lançou seu veneno que ficava às escondidas por aqui.

Estávamos na cantina da faculdade, onde todo mundo já o conhecia de tanto ouvir falar e o chamava, com sotaque carregado, de seo Vicentchy!

Chegou o seo Vicentchy, todo prosa, sorridente e boa praça e mais que depressa, a cozinheira da cantina apareceu e disse: – Luciana, tía, deixa eu apresentar seu pai à minha mãe! Eu disse:

– Ele está comprometido. Com a minha mãe.

Ela, sem se importar:

– Mas sua mãe está longe!

Contei pro meu pai que retrucou:

– Credo, se essa cozinheira já é velha, imagina a mãe dela?!

……..

Outro dia, estava de carona com meu pai, no campus da UFMG. Havia uns quantos mostrando o polegar, quando meu pai solta:

– Lucas, carona pra gente feia, não!

……..

Na Espanha também, estávamos comentando sobre uma conhecida do Jorge, meu compañero de piso. Meu pai, meio duvidoso, pergunta:

– Quem, aquela gorda?

My personal Google

abril 20, 2011 § 1 comentário

Seu Vicente nunca quis aprender a mexer no computador. “Nunca quis” é meio exagero, porque ele tentou muitas vezes e desistiu. Ele até sabe usar um pouco o Google maps, ferramenta que achou interessantíssima por sinal.

Sempre falo com ele, olha no Google, papai. Sei lá se ele olha ou não, o fato é que o Seu Vicente é um Google espontâneo, muito confiável, e muito mais simpático. Espontâneo porque me passa informações sem que eu esteja procurando, e não são poucas. Confiável, porque aquele lá não tem nada de wikipedia, fala e cita as fontes. Simpático porque… já pensou em conversar com o Google?

– E aí, Google, beleza? Nossa, cara, tô precisando saber umas coisinhas…

– Fala, Carina, como é que você tá hoje? Resolveu aqueles problemas?

Ok, acredito que haveria pessoas que não gostariam de um Google conversador, mas tudo bem. Eu sou meio carente, gosto que conversem comigo e perguntem da minha vida.

Voltando ao meu pai (dos burros), hoje de manhã, enquanto eu comia, falávamos um pouco de portunhol, frantuguês e italiguês como de costume, aí ele me ensinou uma coisa que pode ser completamente desnecessária para minha vida, mas que eu gostei tanto de saber!
Quase todas as palavras começadas com Al e algumas com A da língua portuguesa vêm do árabe! Olha que interessante. Aí, claro, eu tive que testá-lo.

– Álcool? Alfinete? Albergue? Alcova? Almoço? Alface? Almeirão? Almoxarifado? Alcaparra? Alcade? Almofada? Alpargatas? Alpendre? Arroz? Açúcar? Azeitona? etc? Almirante? – Essa ele não tinha certeza, abacate também ele não sabia (vou olhar no Google depois).
Enfim, falei tanta palavra começada com A que cheguei atrasada no trabalho como de costume.

Depois disso fiquei pensando como é bom ter esse Google em casa. Lembrei de um texto do Espalitando o Dente, em que ele fala que visita à família não pode durar mais do que 20 minutos. Eu entendo isso e concordo em partes. Mas para visitar a biblioteca chamada Seu Vicente tem que ser mais tempo. Tem que ser a vida toda e ainda é pouco. Me lembrei também do livro infinito de Borges. Não seria toda pessoa um livro infinito? As pessoas têm começo e fim, mas o que elas sabem não. Você pode viver mil anos que nunca vai conseguir saber tudo o que outra pessoa sabe. É como querer saber tudo que tem no Google, o verdadeiro.

Esse texto também é velho, do meu outro blog www.chezcarina.blogspot.com.

Tá difícil

abril 20, 2011 § Deixe um comentário

Hoje, enquanto tomava café-da-manhã com meu pai, percebi que chuviscava. Vi um guarda-chuva preto e uma sombrinha preta de bolinhas brancas, ou poás, no cabideiro. Fui logo pegando a de poás, mas hesitei um pouco e perguntei para o meu pai:

– Será que a mamãe vai precisar da sombrinha dela?

– Não, essa é minha.

– Eu falo da de bolinhas.

– Pois é, essa é a minha.

– De bolinhas, papai?

– Ué, o vendedor falou que era de homem e que tava usando muito – disse meu pai com a maior cara de inocência.

Não me contive, e a gargalhada explodiu na cara dele.

– Pode levar, Carina. É sua, te dou de presente.

Ficamos rindo por uns 5 minutos.

Acho que é por uns motivos desses que eu não consigo deixar a casa dos meus pais.

(Esse texo é mais antigo, é de outro blog que tenho: www.chezcarina.blogspot.com)

Curtinhas

abril 20, 2011 § 1 comentário

Minha irmã estava sentada ao lado do meu pai conversando no novo banquinho de madeira do sítio. Meu pai bocejou. Como reza a lei do bocejo, minha irmã bocejou em seguida, ele virou pra ela e disse:

–       Invejosa!

……………..

Passei pela sala de TV e vi meu pai todo enrolado em um cobertor rosa bebê, só se viam os dois olhos pra fora. Aquela cena era linda e cômica ao mesmo tempo! Fiquei ali admirando Seu Vicente, fiz alguns elogios e fui correndo chamar minha irmã pra ver. Ela chegou e teve que elogiar também. Aí ele olhou para mim e resmungou:

–       Fofoqueira!

O rock do meu pai

abril 20, 2011 § Deixe um comentário

Seu Vicente tem insônia. À noite sempre dorme na frente da TV, bastam 5 minutos de televisão que ele já está longe. Outro dia cheguei em casa e ele assistia ao jornal de pé. Achei estranho mas ele disse que dessa forma não dormiria. Tudo bem que acabou sentando no sofá e entrando naquele sono pesado, gostoso de assistir mas nem tão bom de ouvir, porque sempre vem acompanhado de ronco que às vezes chega até acordá-lo de tão motossérrico que é.

Ele sempre tentou dar um jeito na maldita insônia. Dormir às 19h, acordar às 22h e voltar a dormir 1h ou dormir a tarde (ele já se aposentou), mas nada funcionou.

Semana passada ele chegou com uma nova solução, enquanto tomávamos café-da-manhã, ele me explicava:

–       Já sei o que eu vou fazer! Vou dormir às 22h, acordar a 1h e vou ver cinema (ele realmente falou cinema), ler livro, jornal, … ah minha filha, vou fazer miséria! – estas últimas palavras foram pronunciadas com muito entusiamo.

–        Às 4h eu durmo de novo e acordo às 7h.

Ops, volta aqui, “vou fazer miséria!”? Pra mim fazer miséria seria um pouco mais autodestrutivo e divertido do que isso. Mas fazer o quê? Esse é o rock n’ roll do meu pai.

Onde estou?

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